terça-feira, 9 de maio de 2017

Somos instantes



- Quem vem visitar doentes que estão no S.O.?

pergunta uma voz desprovida de qualquer emoção......

- eu, eu , eu .. eu .... eu .... eu...

- Bom: é assim: só pode entrar uma pessoa e não há direito a trocar, que dizer, vou agora um bocado e depois vai outro parente. Não!!!! É só uma e mais nada.

continuava a voz mecanica....

- Venham comigo!!

e lá fomos.... eu entre uma quantidade de pessoas, algumas com o coração apertado, sem saberem o que iriam encontrar, outras mais descontraídas, talvez por não ser a primeira vez...

Chegámos ao fim de um corredor.

- Esperem aqui! as visitas que vêm para os nomes que eu disser, colocam-se à minha direita (tipo tropa...), os outros esperam que eu já volto. Não se pode usar o telemovel dentro da Sala.

eu esperei....

Voltou e disse:

- desinfectar as mãos e entrar nesta porta, se não encontrarem o vosso doente, chamem alguem.

e desapareceu...

Felizmente quem ia visitar era logo a primeira maca do lado esquerdo.....

Dormia profundamente...
Veio a sopa do almoço e um auxiliar tentou dar-lhe, mas ela recusou e continuou a dormir.

Ninguem ficou preocupado. Não comeu, não comeu...... não há cá alternativas......

Segurei-lhe nas mãos.... e olhei para o seu rosto.... um rosto apagado pelo fogo da vida....
relembrei a alegria da sua juventude...
e alguns episodios que vinham a minha memória  de uma forma arbitrária....

O que somos.......

no que nos transformamos.....

Não me reconheceu, nem sei se me ouviu...

Estava embrenhada nestes pensamentos quando sou interrompida por uma voz, tipo despertador:

- Acabou a visita!!!!!!!
   Façam favor de sair.....

Despedi-me da minha madrinha, uma segunda mãe para mim....pensando até quando e quanto um ser humano resiste numa fase tão debilitada....


Ficou tanta coisa por dizer......mas ela já não está em condições de conversar....

foram apenas instantes vividos em frequencias distintas....

saí

atordoada, nem encontrava o caminho......

Cá fora a vida continuava nos diferentes ritmos... não sei se indiferente aos dramas que se vivem dentro das paredes de um Hospital....




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